SBGM defende uso de ácido fólico no primeiro trimestre de gestação

Entidade afirma que substância é benéfica para a gestante e o bebê, evitando malformações que em casos mais graves podem levar à anencefalia


Entidade afirma que substância é benéfica para a gestante e o bebê, evitando malformações que em casos mais graves podem levar à anencefalia
 
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou simplesmente autismo, é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social, interesses restritos e comportamentos repetitivos. Apresenta uma prevalência que varia de 1 a cada 68 até de 1 a cada 59 pessoas, de acordo com estudos mais recentes. Devido sua prevalência e por ser um transtorno muito estudado ao redor do mundo, é comum que diversas pesquisas busquem associação do TEA com fatores genéticos e ambientais. Entre esses estudos, um que tem sido amplamente divulgado e compartilhado na mídia é sobre o uso de ácido fólico na gestação e o aumento do risco de autismo.
 
O ácido fólico é um composto que tem grande importância para o período embrionário, em especial nos primeiros meses do desenvolvimento do feto, já sendo bem estabelecida, desde a década de 70, a sua relação como protetor contra malformações. Quando o casal está planejando uma gestação, já é comum que antes de engravidar a mulher comece a tomar ácido fólico diariamente, uso que se mantem ao longo dos primeiros três meses da gestação. O uso do ácido fólico protege principalmente contra malformações de fechamento do tubo neural, que pode levar nos casos mais graves à anencefalia. Esse efeito protetor, como já citado, é bem estabelecido em literatura científica e orientou inclusive ações de saúde pública como a fortificação do ácido fólico na farinha de trigo, como acontece no Brasil desde 2004.
 
Apesar de ter esse efeito protetor confirmado, nos últimos tempos o ácido fólico tem sido visto como um vilão por parte da população, recebendo notoriedade em diversos veículos de comunicação e redes sociais devido a um possível risco causal de autismo. Existem vários trabalhos na literatura médica sobre a relação do ácido fólico e autismo, com diversos estudos mostrando o valor dessa associação.
 
Dois estudos principais levantaram essa hipótese de que o ácido fólico é um fator de risco para autismo. Inicialmente, um artigo publicado em 2014 por um grupo espanhol concluiu, após avaliar 2213 crianças, que mulheres que usavam dosagens maiores de 5mg de ácido fólico durante a gestação apresentavam um risco maior de ter filhos portadores de transtornos do neurodesenvolvimento, como quadros de atraso do desenvolvimento. Porém o estudo que mais ganhou notoriedade foi apresentado em 2016 durante o Encontro Internacional de Pesquisa do Autismo (tradução livre de International Meeting for Autism Research), no qual, em uma palestra a médica Margaret Daniele Fallin trouxe resultados preliminares de um estudo que sugerem que o uso em excesso de ácido fólico e de vitamina B12 podem estar associados com autismo.
 
Entenda o caso:
 
Nesse momento é importante observar dois pontos. O primeiro é que ambos referem que se há um risco, esse é referente ao uso de altas dosagens de ácido fólico. A dosagem de ácido fólico recomendada atualmente para as gestantes é de 400 a 800 microgramas, algo muito inferior ao que os estudos definem como alta dosagem (que seria maior de 5 miligramas, ou seja, 10 vezes a mais do que o recomendado). O segundo ponto é que, apesar do estudo da médica Margaret Fallin ter sido apresentado com seus resultados preliminares em 2016, o estudo final publicado em janeiro de 2018 trouxe novas conclusões a respeito. O resultado não apresenta informações a respeito das dosagens do consumo do ácido fólico, mas sim de frequência, demonstrando que o consumo de ácido fólico durante a gestação menor de 2 vezes por semana, assim como um consumo maior de 5 vezes por semana, está associado a um aumento de risco para TEA. Ela observa que o consumo moderado, de 3 a 5 vezes por semana apresenta um efeito protetor contra o desenvolvimento de TEA, algo já demonstrado em estudos anteriores.
 
Paralelamente, existem vários estudos que demonstram resultados contrários, com o ácido fólico tendo efeito protetor para o desenvolvimento de autismo. Em 2010, a médica Sabine Roza publicou um estudo no qual fez o seguimento de 4214 crianças e observou que o uso do ácido fólico durante a gestação apresentou um efeito protetor no desenvolvimento de autismo quando comparado as crianças as quais as mães não utilizaram ácido fólico. Outro estudo observou a dosagem de ácido fólico no sangue de mães de filhos com autismo e de mães com filhos com desenvolvimento normotípico, e foi possível observar que as dosagens de ácido fólico no sangue das mães de crianças com o desenvolvimento normal é maior do que daqueles com autismo. Um outro grande estudo publicado em 2014, que acompanhou 3893 crianças até os 6 anos demonstrou não só o efeito protetor do uso de ácido fólico contra o desenvolvimento de autismo, mas que as mulheres que usaram ácido fólico já antes de engravidar apresentavam índices menores de ter filhos com autismo do que aquelas que começaram o uso do ácido fólico quando identificaram a gestação.
 
Estudos semelhantes se repetiram, com número de pacientes e metodologias diferentes, e levou a uma grande revisão sistemática publicada em Novembro de 2016. Nesse momento é importante entendermos que revisão sistemática é um tipo de estudo que realiza a revisão de vários estudos diferentes, comparando os pontos fortes e fracos e as conclusões de cada um, tirando uma conclusão geral sobre esses estudos. Devido a forma como é feita a análise, as revisões sistemáticas são consideradas estudos com alto grau de evidência, portanto tem grande credibilidade. Essa revisão realizou a análise de 22 estudos sobre o uso de ácido fólico como fator de risco ou fator protetor para o transtorno do espectro autista e transtornos do neurodesenvolvimento, e concluiu que dos 22 artigos, apenas 1 continha informações sobre o ácido fólico sendo fator de risco para o desenvolvimento de autismo (lembrando que na época que essa revisão foi realizada o estudo da médica Margaret Fallin ainda não estava publicado), com 6 estudos mostrando que não há uma relação estatística entre o uso de ácido fólico e o desenvolvimento de autismo e 15 estudos mostrando um efeito protetor e benéfico quanto ao uso de ácido fólico frente ao autismo.
 
Em resumo, o que podemos concluir é que o uso do ácido fólico durante a gestação, se usados na dosagem adequada e recomendada de 400 microgramas, tem efeito protetor quanto ao desenvolvimento de autismo, algo que todos os estudos concordam, e portanto não é um fator de risco.
A Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), com base nesses estudos, se posiciona a favor do uso de ácido fólico nas mesmas recomendações realizadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e pelo American College of Medical Genetics (ACMG), ou seja, o consumo de 400 microgramas por dia, idealmente já iniciando um mês antes da gestação, seguindo até o terceiro mês da gestação, que além de ter seu efeito protetor confirmado já é comprovadamente seguro para a mãe e o bebê.